sábado, 29 de novembro de 2014

Um Eldorado - Machado de Assis

“A capital oferecia ainda aos recém-chegados um espetáculo magnífico. Vivia-se dos restos daquele deslumbramento e agitação, epopeia de ouro da cidade e do mundo, porque a impressão total é que o mundo inteiro era assim mesmo. Certo, não lhe esqueceste o nome, encilhamento, a grande quadra das empresas e companhias de toda espécie. Quem não viu aquilo não viu nada. Cascatas de ideias, de invenções, de concessões rolavam todos os dias, sonoras e vistosas para se fazerem contos de réis, centenas de contos, milhares, milhares de milhares, milhares de milhares de milhares de contos de réis. Todos os papéis, aliás ações, saíram frescos e eternos do prelo. Eram estradas de ferro, bancos, fábricas, minas, estaleiros, navegação, edificação, exportação, importação, ensaques, empréstimos, todas as uniões, todas as regiões, tudo o que esses nomes comportam e mais o que esqueceram. Tudo andava nas ruas e praças, com estatutos, organizadores e listas. Letras grandes enchiam as folhas públicas, os títulos sucediam-se, sem que se repetissem, raro morria, e só morria o que era frouxo, mas a princípio nada era frouxo. Cada ação trazia a vida intensa e liberal, alguma vez imortal, que se multiplicava daquela outra vida com que a alma acolhe as religiões novas. Nasciam as ações a preço alto, mais numerosas que as antigas crias da escravidão, e com dividendos infinitos.”



Em “Esaú e Jacó”, de Machado de Assis, pag.141, 4ª Edição (cotejada com a edição original da Livraria Garnier, Rio de Janeiro, 1904). São Paulo: Editora Martin Claret, 2001. 









Joaquim Maria Machado de Assis, autodidata, foi cronista, contista, dramaturgo, jornalista, poeta, novelista, romancista, crítico e ensaísta. Nasceu em 21.07.1839 no Rio de Janeiro, cidade onde viveu até sua morte em 29.09.1908. Mulato, pobre, de saúde frágil, órfão de pai e mãe, foi criado pela madrasta, Maria Inês, também mulata. Primeiro presidente da Academia Brasileira de Letras, que adotou seu nome – Casa Machado de Assis. É considerado o maior escritor brasileiro. “Esaú e Jacó” é seu penúltimo romance. (Leia mais em: http://www.releituras.com/machadodeassis_bio.asp)

Tenho profunda admiração pela escrita sutil e irônica de Machado, de quem já li quase toda a obra. O livro que mais me marcou é, sem dúvida, Dom Casmurro. Mas todos os seus textos são de uma riqueza literária e poética sem igual e muito a frente de seu tempo. Para quem mora no Rio de Janeiro é uma delícia acompanhar a geografia da cidade, na qual são ambientados todos os seus romances, e perceber as enormes transformações sofridas. O romance Esaú e Jacó tem por protagonistas irmãos gêmeos que, embora idênticos no físico, são oponentes e concorrentes nos desejos e personalidades, uma clara referência à parábola bíblica. Machado ambienta o romance no período da passagem do Império para a República, e trata como pano de fundo os dilemas dos que estão no poder e dele não querem apear. O trecho transcrito, realista e melancólico, aborda a situação econômica vivida no período pós proclamação da república, com a política do encilhamento, situação muito parecida com a crise econômica mundial vivida em 2008, conhecida como "bolha imobiliária". Para os que desejam conhecer melhor esse genial escritor, sugiro ler sua biografia escrita por Daniel Piza, “Machado de Assis – Um Gênio Brasileiro”, com uma abordagem de vida e obra, critica, mas sem paixões.
Por F@bio 

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

A turma, de Manoel de Barros

"A gente foi criado no ermo igual ser pedra.
Nossa voz tinha nível de fonte.
A gente passeava nas origens. Bernardo conversava pedrinhas
com as rãs de tarde.
Sebastião fez um martelo de pregar água
na parede.
A gente não sabia botar comportamento
nas palavras.
Para nós obedecer a desordem das falas
Infantis gerava mais poesia do que obedecer
as regras gramaticais.
Bernardo fez um ferro de engomar gelo.
Eu gostava das águas indormidas.
A gente queria encontrar a raiz das
palavras.
Vimos um afeto de aves no olhar de
Bernardo.
Logo vimos um sapo com olhar de árvore!
Ele queria mudar a Natureza?
Vimos depois um lagarto de olhos garços beijar as pernas da Manhã!
Ele queria mudar a Natureza?
Mas o que nós queríamos é que a nossa
palavra poemasse.”

Obtido de: http://www.campograndenews.com.br/lado-b/artes-23-08-2011-08/aos-97-anos-manoel-de-barros-renasce-em-bernardo-e-com-poesia-inedita


Manoel de Barros bateu asas e avoou. Passarinho voou pras bandas do Pantanal, pra borboletear, encantar flores e frutos, gotejar pedrinhas, pregar lembranças, poemar palavras...
Voa passarinho Manoeldebarros, vai cantar suas poesias, inventar bichos e inspirar a vida!!
Por F@bio