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quarta-feira, 24 de maio de 2017

Santos Revisitado - Pablo Neruda

Santos Revisitado (1927 - 1967) - 1ª parte

Santos! É no Brasil, e faz já quatro vezes dez anos.
Alguém ao meu lado conversa "Pelé é um super-homem",
"Não sou fanático, mas na televisão eu gosto".
Antes era selvático este porto e cheirava
como uma axila do Brasil calorento.
"Caio de Santa Marta". É um navio, e é outro, mil navios!
Agora os frigoríficos estabeleceram catedrais
de belo cinza, e parecem
dados atirados por deuses os brancos edifícios.
O café e o suor cresceram até criar as proas,
o pavimento, as habitações retilíneas:
quantos grãos de café, quantas gotas salobres
de suor? Talvez o mar
se encheria, mas a terra não, nunca a terra, nunca satisfeita,
faminta sempre de café, sedenta
de suor  negro! Terra maldita, espero
que arrebentes um dia, de alimentos, de sacos mastigados,
e de eterno suor dos homens que já morreram
e foram substituídos para continuar suando.


Transcrito do livro Esquinas do Mundo - Ensaios sobre História e Literatura a partir do porto de Santos, de Alessandro Atanes, São Paulo: Dobra Editorial, 2013, pág. 16. Nota informa que a tradução é do próprio Alessandro Atanes, a partir de Neruda, Pablo, La Barcarola. Edição e notas de Hernán Loyola. Prólogo de María Gabriela Mizraje. Buenos Aires - Argentina: Debolsillo, 2004.

Pablo Neruda, o grande poeta e diplomata chileno (veja outros textos neste blog), esteve no Brasil algumas vezes participando de encontros políticos e conferências, passando por Santos, porto que homenageia em sua poesia. Tendo a perspectiva de quem chega no estuário, narra a geografia, a atividade e a história do porto, até aquela época (anos 60) ainda muito vinculado ao café, principal produto de exportação do País de então.

Com o olhar para a questão social, Neruda acentua o suor do trabalhador portuário, carregando sacos nas costas no embarque e desembarque dos navios cargueiros. Assinalando a história do porto entre 1927 e 1967 (daí "quatro vezes dez anos"), destaca as transformações ocorridas no porto antes selvático, com milhares de trabalhadores qual formigas carregando seus fardos, exalando seus odores, tornando o cais a axila do Brasil tropical, suarento, calorento, caloroso: "quantos grãos de café, quantas gotas salobres de suor?" indaga o poeta.

Agora industrial, com seus edifícios catedrais, mantem um ritmo frenético (mil navios) para dar conta da fome de consumo do mundo capitalista nunca satisfeito, que para se alimentar explora o trabalhador que verte seu suor e  não pode parar. Os que morrem logo são substituídos por outros vindo do exército de reserva para continuar suando, peças de reposição da linha de produção da carga e descarga do cais. Terra maldita, um dia arrebenta!
Por F@bio


quinta-feira, 9 de março de 2017

Poema nº 18 - Pablo Neruda

"Aqui te amo.

Nos sombrios pinheiros desenreda-se o vento.

Brilha a lua sobre as águas errantes.

Andam dias iguais a se perseguir.

Dissipasse a névoa em dançantes figuras.

Uma gaivota de prata desprende-se do ocaso.

Às vezes uma vela. Altas, altas estrelas.

Ou a cruz negra de um barco.

Sozinho.

Às vezes amanheço, e até a alma está úmida.

Soa, ressoa o mar ao longe.

Este é um porto.

Aqui te amo.

Aqui te amo e em vão te oculta o horizonte.

Estou te amando mesmo entre estas frias coisas.

Às vezes vão meus beijos nesses navios graves,

Que correm pelo mar até onde nunca chegam.

Já me vejo esquecido como estas velhas âncoras.

São mais tristes os cais quando atraca a tarde.

Cansa-se minha vida inutilmente faminta.

Amo o que não tenho. Tu estás tão distante.

Meu tédio luta com os lentos crepúsculos.

Porém a noite chega e começa a cantar-me.

A lua faz girar a sua roda de sonho.

Olham-me com teus olhos as estrelas mais grandes.

E como eu te amo, os pinheiros no vento,

Querem cantar o teu nome com as folhas de arame."

"Aquí te amo.
En los oscuros pinos se desenreda el viento.
Fosforece la luna sobre las aguas errantes.
Andan días iguales persiguiéndose.

Se desciñe la niebla en danzantes figuras.
Una gaviota de plata se descuelga del ocaso.
A veces una vela. Altas, altas estrellas.

O la cruz negra de un barco.
Solo.
A veces amanezco, y hasta mi alma esta húmeda.
Suena, resuena el mar lejano.
Éste es un puerto.
Aquí te amo.
Aquí te amo y en vano te oculta el horizonte.
Te estoy amando aún entre estas frías cosas.
A veces van mis besos en esos barcos graves,
que corren por el mar hacia donde no llegan.

Ya me veo olvidado como estas viejas anclas.
Son más tristes los muelles cuando atraca la tarde.
Se fatiga mi vida inútilmente hambrienta.
Amo lo que no tengo. Estás tú tan distante.

Mi hastío forcejea con los lentos crepúsculos.
Pero la noche llega y comienza a cantarme.
La luna hace girar su rodaje de sueño.

Me miran con tus ojos las estrellas más grandes.
Y como yo te amo, los pinos en el viento,
quieren cantar tu nombre con sus hojas de alambre."

Obtido em: http://www.amoremversoeprosa.com/imortais/311poema18.htm e
https://www.vagalume.com.br/joan-manuel-serrat/poema-n-18-de-pablo-neruda.html.

Pablo Neruda é o pseudônimo de Ricardo Eliécer Neftalí Reyes Basoalto (1904 - 1973). 
Poeta chileno considerado um dos mais importantes do século XX. Adotou o pseudônimo de Pablo Neruda para homenagear o poeta tcheco Jan Neruda. Sua obra é lírica, plena de emoção e marcada por um acentuado humanismo. Em seu livro de estréia, com apenas 20 anos, Crepusculário (1923), já se assinou Pablo Neruda que, em 1946, passou a usar legalmente. Sua fama tornou-se maior com a publicação de Vinte Poemas de Amor e Uma Canção Desesperada (1924).

Alternando a vida literária com a diplomática, Neruda era o embaixador chileno na França quando ocorreu o golpe de Estado que depôs o presidente Salvador Allende e instalou a ditadura do General Augusto Pinochet. Gravemente enfermo, Neruda é levado de sua casa Isla Negra, em El Quisco, para Santiago onde vem a falecer e é sepultado em cortejo considerado o primeiro ato de protesto contra a ditadura de Pinochet. Após o retorno da democracia, em 1992 se cumpre um desejo seu, com os corpos dele e de sua mulher, Matilde Urrutia, sendo enterrados na casa Isla Negra, na costa do Chile. Em sua obra destacam-se Residência na Terra (1933), Espanha no Coração (1937, inspirado na Guerra Civil Espanhola), Canto Geral (1950), Cem Sonetos de Amor (1959), Memorial de Isla Negra (1964), A Espada Incendiada (1970) e a Autobiografia póstuma, Confesso que vivi (1974), um emocionante testemunho do tempo e das emoções de um grande poeta. Em 1971, Neruda recebeu o Prêmio Nobel de Literatura e o Prêmio Lênin da Paz. Antes havia sido agraciado com o Prêmio Nacional de Literatura (1945) (leia mais em https://pensador.uol.com.br/autor/pablo_neruda/biografia/).



Recentemente assisti ao filme Neruda, do diretor Pablo Larraín, no qual o poeta é mostrado como o "escritor que, em 1948, aos 44 anos, começa a construir o mito de si mesmo". Eleito senador, critica o Governo no Congresso e, em decorrência, é perseguido incansavelmente pelo policial Peluchonneau. Com sua segunda esposa, a argentina Délia del Carril, conhecida como A Formiguinha (La hormiguita), tenta sem sucesso sair do país. Começa então a fase de clandestinidade, quando realiza incursões noturnas secretas. Escreve Canto Geral e seu reconhecimento, que cresce em todo o mundo, faz com que artistas como Pablo Picasso clamem por sua liberdade internacionalmente. No filme, "perseguidor e perseguido se fundem, um respira o hálito do outro, e o autor se reinventa até se tornar o mito literário e político que veio a ser."

No início de 1949 finalmente cruza a Cordilheira dos Andes e consegue chegar a Argentina, de onde viaja secretamente para a Europa e aparece de surpresa no I Congresso Mundial da Paz, em Paris.

O filme é ambientado em um período pouco explorado da vida de Neruda: "aquele em que o escritor foi perseguido pelo Governo do chileno Gabriel González Videla, que decretou em 1948 a chamada Lei Maldita contra os militantes comunistas. Já uma figura relevante do mundo das letras, foi nessa época que Neruda acabou de dar forma à personalidade política que marcou os 25 anos seguintes de sua vida até sua morte em setembro de 1973." 

Conforme Larraín, o filme tem "elementos políticos e poéticos, mas, no fundo, é um filme sobre um policial que dá sentido a sua vida ao perseguir o poeta”. A obra é uma ficção, que inclui elementos de policial, comédia e drama. “Neruda entende que, se conseguir escapar, fará com que sua voz seja mais forte, maior, mais ouvida". Nessa épica escapada, o poeta se transforma em uma lenda e espalha pelo mundo seu canto geral!

Por F@bio